08.11.2018

Confusão em torno do valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS-COFINS

A polêmica decisão do STF de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS proferida no bojo do RE nº 574.706-RG/PR, sob o rito de repercussão geral, além de causar efeito cascata ensejando centenas de ações judiciais para excluir outros tributos da base de cálculo de outros tributos, deu origem à nova discussão judicial consistente na definição do valor do imposto a ser excluído.

 

Dia chegará em que de exclusão em exclusão acabará sendo reformulado, por via de jurisprudência, o Sistema Tributário Nacional em que os tributos indiretos estão submetidos ao regime de tributação por dentro, isto é, o valor do tributo está embutido no preço das mercadorias ou dos serviços, o que equivale dizer que o tributo incide sob si próprio. Por enquanto o ICMS é o único tributo indireto que tem previsão constitucional para tributação por dentro, por força da EC nº 33/2001 que acrescentou a letra i ao inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF.

 

A Corte Suprema entendeu que o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo PIS/Cofins é aquele destacado em cada nota fiscal, ou seja, adotou-se um critério simplista, que prescinde de qualquer cálculo aritmético, só que o valor do ICMS destacado na nota é apenas para o fim contábil-fiscal de crédito e débito para apuração do imposto a recolher no final de cada período de apuração. Nada tem a ver com o ICMS efetivamente pago pelo vendedor. Este se limita a receber do comprador o preço das mercadorias ou dos serviços no qual se encontra embutido o valor do ICMS, que é bem menor do que aquele destacado na nota fiscal para o fim contábil-fiscal. Esse regime de tributação que mascara o verdadeiro peso do encargo tributário acontece, também, na esfera municipal em relação ao ISS à semelhança do ICMS. O mesmo vem acontecendo relativamente ao IPTU e ao ITBI.[1]

 

O ICMS é calculado por dentro, porém, para fins de operacionalização da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, ele é calculado por fora, por ser prático e dispensar cálculos complicados. Deviam ter pensado nisso antes de determinar a exclusão. Esse fato, por si só, causa estranheza até mesmo para o leigo, pois sabidamente não existe no Brasil o regime de cálculo por fora de tributos indiretos que vigora nos demais países do mundo. Essa forma de tributação nebulosa que escamoteia a alíquota real incidente sobre os preços das mercadorias e dos serviços afronta o princípio da transparência tributária inserido no § 5º, do art. 150 da CF.

 

Agora, a Receita Federal do Brasil, a pretexto de que há dúvida de como proceder essa exclusão ante as decisões judiciais transitadas em julgado, omissas quanto ao critério a ser utilizado na exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, publicou a Solução de Consulta Interna de nº 13, de 18 de outubro de 2018, que prevê a exclusão do valor mensal do ICMS a recolher.

 

De fato, prescreve o item 1 dessa Solução de Consulta:

 

1 – O montante a ser excluído da base de cálculo mensal da Contribuição social é o valor mensal do ICMS a recolher, conforme o entendimento majoritário firmado no julgamento RE nº 574.706/PR, pelo Supremo Tribunal Federal.

Ora, por esse critério poderá não haver nenhuma exclusão do ICMS pela simples razão de que no final do período de apuração do imposto, determinado contribuinte pode não acusar “ICMS a recolher”, porque o volume de crédito gerado pela entrada foi maior do que o volume de débito gerado pela saída de mercadorias.

 

A Receita Federal encontrou uma maneira de frustrar os benefícios reconhecidos pela Alta Corte de Justiça do País, a exemplo do que fez a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo que, por meio de Comunicado CAT de nº 6/18, esvaziou o conteúdo da decisão da Corte Suprema que ordenou a restituição do ICMS pago a maior na operação de substituição tributária.

 

Resulta claro que o ICMS a ser excluído é aquele embutido no preço das mercadorias e dos serviços, que representa um valor necessariamente menor do que aquele destacado na nota fiscal para efeito contábil-fiscal, a fim de assegurar o princípio da não cumulatividade do imposto. O valor destacado na nota fiscal não tem menor relevância jurídica no critério de exclusão do imposto da base de cálculo do PIS/COFINS.

 

Ainda que trabalhoso, imprescindível que se faça o cálculo do ICMS por dentro em cada operação de compra e venda para se ter o exato valor do ICMS a ser deduzido da base de cálculo do PIS/COFINS.

 

Tanto a exclusão do valor destacado na nota fiscal, como a exclusão do ICMS na forma indicada na Solução de Consulta Interna nº 13 retromencionada estão equivocadas. O primeiro impõe um prejuízo ao fisco federal; o segundo impõe um prejuízo ao contribuinte.

 

O critério correto é a exclusão do ICMS contido no preço pago pelo comprador e recebido pelo vendedor. Para tanto impõe-se o cálculo por dentro para saber o preço da mercadoria antes da incidência do imposto à alíquota de 18%. Esse cálculo apontará um preço menor do que o consignado na nota fiscal, bem como apontará uma alíquota de 21,95% ao invés de 18% que é a alíquota legal.

 

Tomemos como exemplo uma mercadoria com o preço de R$1.500,00 e calculemos o valor do ICMS embutido nesse preço mediante a seguinte fórmula:

 

R$1.500,00 x 0,82 (100% – 18%) = R$ 1.230,00 (preço da mercadoria sem imposto);

R$1.500,00 – R$1.230,00 = R$270,00 (valor do ICMS embutido no preço);

R$1.500,00 / 0,82 = R$1.829,26 (valor total da nota fiscal);

R$1.829,26 x 18% = R$329,26 (ICMS destacado na nota fiscal);

R$329,26/R$1.500,00 x 100% = 21,95% (alíquota real do ICMS)

21,95% – 18% = 3,95% (diferença entre a alíquota nominal e a alíquota real que não aparece aos olhos do consumidor).

No caso de consumo de energia elétrica a alíquota legal de 25% corresponderá a uma alíquota real de 33,333% se feito o cálculo do ICMS por dentro, como retro exemplificado. É a forma de tributação enrustida, não percebida pelos consumidores, violando frontalmente o princípio da transparência tributária expresso no § 5٥, do art. 150 da CF.

 

O valor correto do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS no exemplo dado é de R$270,00, conforme demonstrado na letra b, e não o valor de R$329,26 que corresponde ao valor do ICMS destacado na nota fiscal, conforme demonstrado na letra d que equivale à uma tributação pela alíquota de 21,95% contra a alíquota de 18% prevista na legislação.

 

Certamente, esse assunto (valor do ICMS suportado pelo comerciante/prestador versus ICMS destacado para o fim contábil-fiscal) acabará parando nas barras dos tribunais congestionando a atuação do Poder Judiciário, acentuando a sua costumeira morosidade. Levará décadas até que a questão seja pacificada por meio de uma Súmula vinculante ou decisão proferida sob o rito de repercussão geral.

 

Assim, de equívoco em equívoco o Sistema Tributário Brasileiro, que já é nebuloso e de difícil interpretação, vai se transformando em um verdadeiro manicômio jurídico-tributário.

 

[1] Ao invés de elevar a alíquota desses impostos que traz transparência, promove-se uma série de maracutaias na base de cálculo dos impostos de sorte a produzir um resultado bem superior ao da elevação nominal de alíquotas que tem o inconveniente de trazer visibilidade que espanta os contribuintes.

Fonte:

Kiyoshi Harada
DIREITO TRIBUTÁRIO - KRAS BORGES & DUARTE ADVOGADOS


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