25.08.2025

Os impactos sociais e tributários do Tema 1.389 de repercussão geral do STF

Desde abril deste ano o julgamento do Tema 1.389 de repercussão geral do STF vem ocupando diversas manchetes jurídicas com o intuito de esclarecer os contornos do julgado, suas razões de existir, as consequências processuais no judiciário e seus efeitos nas relações de trabalho. Isso porque, embora o caso concreto dos autos 0000263-33.2020.5.09.0014 originalmente trate de um contrato de franquia, o escopo de análise que se estabeleceu a partir do julgado de relatoria do ministro Gilmar Mendes abarca diversas modalidades de contratação civil/comercial e categorias profissionais.

Ao discutir e buscar pacificar matérias que abrangem “competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”, o Tema 1.389 representa a expectativa de ser um marco significativo nas relações de trabalho no Brasil, especialmente no que diz respeito à contratação de trabalhadores autônomos e pessoas jurídicas.

Porém, pouco se fala sobre os impactos que a formalização dessas relações pode trazer tanto para os trabalhadores quanto para a arrecadação de impostos nos âmbitos municipal, estadual e federal.

É de conhecimento público que, embora venha sendo reduzida em números estatísticos, a informalidade no mercado de trabalho brasileiro permanece elevada. Segundo dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no trimestre encerrado em janeiro de 2025, a taxa de informalidade foi de 38,3%, representando cerca de 39,5 milhões de pessoas trabalhando sem registro formal do total de 103,0 milhões da população ocupada no país1.

Esse enorme contingente de profissionais está fora das estatísticas oficiais, sem registro de atividade nos sistemas de seguridade social ou fiscal, o que impede o acesso a diversos direitos sociais, sobretudo os previdenciários. Além disso, as relações de trabalho necessariamente regidas pela CLT não geram a arrecadação de determinados tributos diretos, tais como o ISS - Imposto Sobre Serviços e o IR - Imposto de Renda na modalidade de pessoa física autônoma, o que demonstra ser vantajoso do ponto de vista arrecadatório, permitindo a formalização da atividade com geração de receita tributária direta para os entes públicos.

Em geral, trata-se de trabalhadores informais do setor privado laborando sem carteira assinada, registro como autônomo ou constituição de CNPJ. São pessoas que labutam diariamente ou eventualmente, recebendo o pagamento por diversas vias, como em espécie ou “pix”, etc., mas sem qualquer tipo de declaração ou retenção fiscal, das mais diversas modalidades e categoriais de profissionais, todos “vulneráveis socialmente”, representando, ainda, um verdadeiro hiato de arrecadação fiscal para a União, os Estados e municípios, direta e indiretamente.

O trabalho informal, ao ocorrer completamente à margem dos sistemas fiscal e previdenciário, não gera qualquer fonte de arrecadação para o Estado, o que acarreta impactos diretos e profundos na organização pública; pois, por estarem invisíveis às estatísticas oficiais e sem gerar receita tributária direta, esses trabalhadores não contribuem para a Previdência Social nem para os cofres públicos, mas, ainda assim, demandam, como cidadãos, acesso às políticas públicas essenciais - especialmente na área da saúde, por meio do SUS, que opera demandando diversas ações governamentais para aumentar sua capacidade de atendimento e reduzir o tempo de espera2.

Logo, a ausência de recolhimento de tributos e contribuições, aliada à demanda crescente por serviços públicos, cria um desequilíbrio estrutural onde o Estado é compelido a prestar assistência a uma massa de indivíduos que, embora legitimamente necessitados, não integram formalmente o sistema contributivo.

Nesse passo, com o envelhecimento da população e a maior incidência de doenças e incapacidades decorrentes de condições muitas vezes precárias de trabalho, o sistema previdenciário também tende a ser sobrecarregado, uma vez que muitos acabam por ingressar na proteção social por vias assistenciais, a exemplo do BPC - Benefício de Prestação Continuada, também conhecido como LOAS, sem nunca terem contribuído regularmente, agravando, assim, a fragilidade fiscal do sistema.

Assim, o eventual reconhecimento pelo STF da licitude da contratação de autônomos e pessoas jurídicas no mercado de trabalho implicará, em grande medida, a formalização dos trabalhadores que atualmente são “invisíveis” aos olhos da administração pública, assegurando-lhes diversos direitos sociais e, na mesma medida, um considerável incremento de arrecadação ao erário.

Caso venha a se firmar tese que respeite a autonomia privada e os pactos legítimos firmados entre partes, reconhecendo essas formas de prestação de serviço, isso conferirá a esses profissionais acesso a cobertura previdenciária mínima, crédito bancário, programas de capacitação, dentre outros direitos sociais, além de contribuir para um ambiente de estabilidade normativa e segurança jurídica, estimulando a adesão consciente à formalização das relações de trabalho.

Neste mesmo esteio, muitos desses trabalhadores passariam a integrar a base de dados dos cadastros estaduais e municipais, da Receita Federal através dos seus CNPJ ativos, bem como se tornarão contribuintes regulares do INSS, além de realizarem declarações fiscais. A pacificação quanto à possibilidade desses tipos de contratação, inexoravelmente, aumentaria a base de arrecadação da União e dos municípios, sobretudo quanto ao INSS, ISS, IR, além da contribuição previdenciária, garantindo ao erário arrecadação apta a alavancar diversos programas sociais em curso.

Sendo assim, é igualmente relevante observar o potencial econômico da regularização deste tipo de contratação, pois, considerando os 39,5 milhões de trabalhadores informais do Brasil, se ao menos 30% deles migrassem para o regime de MEI (ou para a prestação de serviços com RPA formalizado),  haveria um aumento de 11,85 milhões de novos contribuintes formais, bem como o aumento mensal de aproximadamente R$ 899 milhões em arrecadação apenas com a contribuição básica do MEI ao INSS3, além da arrecadação adicional de ISS e imposto de renda; ampliando, ainda, a base previdenciária, com impactos futuros na concessão e financiamento da seguridade social.

Logo, é possível observar que a decisão do STF sobre o Tema 1.389 tem o potencial de incentivar a formalização do trabalho e, consequentemente, promover benefícios tanto para os trabalhadores quanto para a sociedade em geral; não sendo, pois, uma ameaça ao emprego formal, mas sim o reconhecimento e consideração às novas dinâmicas do trabalho e da economia, o que trará, inclusive, maior segurança jurídica às relações de trabalho.

Por fim, trata-se de uma oportunidade histórica de se criar o ambiente para a formalização das relações de trabalho de milhões de brasileiros que ainda hoje (2025) permanecem invisíveis aos olhos do Estado - sem acesso a diversos direitos sociais básicos, proteção previdenciária e fora da base de arrecadação fiscal -, sendo, do mesmo modo, um passo importante na construção de um mercado de trabalho mais livre, inclusivo, e sustentável no Brasil.

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1 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/42747-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-6-5-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-15-5-no-trimestre-encerrado-em-janeiro

2 https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/maio/governo-federal-lanca-o-agora-tem-especialistas-para-ampliar-o-atendimento-a-populacao-e-reduzir-tempo-de-espera-no-sus?utm_source=chatgpt.com e https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/marco/ministerio-da-saude-amplia-regulacao-para-reduzir-tempo-de-espera-no-sus?utm_source=chatgpt.com

3 https://portalbrasil.com.br/contribuicao-do-mei-ao-inss-sera-reajustada-em-2025-confira-os-novos-valores-e-calendario/?utm_source=chatgpt.com

Fonte:

Migalhas - Emanuelle Moraes, Carlos Florencio e Ricardo Varejão
DIREITO TRIBUTÁRIO - KRAS BORGES E DUARTE ADVOGADOS - KRAS BORGES & DUARTE ADVOGADOS


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