20.10.2025

STJ reforça responsabilidade bancária e proteção do consumidor digital

 

A digitalização das relações financeiras instaurou um novo paradigma de interação entre consumidor e instituição bancária. O espaço virtual, que outrora se anunciava como ambiente de eficiência e comodidade, converteu-se também em território fértil para a prática de fraudes urdidas com requinte tecnológico e engenho psicológico. Não mais se trata de subtrações físicas de cartões ou senhas, mas de engenhosas arquiteturas de engano — os chamados golpe da falsa central de atendimento e golpe da mão fantasma —, nos quais a confiança do correntista é o instrumento do delito. O discurso técnico do criminoso, travestido de autoridade bancária, converte a boa-fé do cidadão em vulnerabilidade explorável.

Foi nesse cenário que o Superior Tribunal de Justiça, em pronunciamentos recentes, fixou diretrizes que restabelecem o equilíbrio nas relações de consumo financeiro. No Recurso Especial nº 2.222.059/SP, reconheceu-se que as fraudes perpetradas por terceiros se inserem no âmbito do fortuito interno, pois decorrem do risco próprio da atividade bancária, não sendo capazes de romper o nexo causal entre a falha do serviço e o prejuízo experimentado pelo cliente. A omissão no bloqueio de operações atípicas e alheias ao perfil do correntista traduz-se em defeito na prestação do serviço, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, impondo ao banco o dever de ressarcimento integral. Ainda que o cliente, induzido ao erro, tenha participado materialmente do ato, sua colaboração carece de voluntariedade consciente — é, em essência, produto de manipulação ardilosa.

 

Culpa concorrente é refutada

De modo convergente, o Recurso Especial nº 2.220.333/DF afastou a tese de culpa concorrente em hipóteses de golpes de acesso remoto. O Tribunal foi categórico ao afirmar que o consumidor, ao seguir orientações de quem se apresenta como preposto da instituição, não assume risco algum, mas atua sob ilusão induzida. A chamada teoria do risco concorrente, que admite mitigação da responsabilidade objetiva mediante a contribuição voluntária da vítima, não encontra guarida quando a conduta é resultado de engodo. O agir sob indução não é expressão de liberdade, mas sim de vulnerabilidade.

Esses pronunciamentos marcam um ponto de inflexão no Direito contemporâneo. O risco da atividade bancária não se esgota na proteção de dados ou senhas; abarca o dever de desenvolver, manter e aperfeiçoar continuamente mecanismos de segurança que antecipem comportamentos atípicos e bloqueiem transações potencialmente fraudulentas. O progresso tecnológico, que amplia a eficiência das operações, impõe igualmente um ônus correlato de diligência e vigilância, sob pena de o lucro da atividade se converter em responsabilidade civil.

 

Prudência é palavra de ordem nessa relação

Nada obstante, ao consumidor e ao empresário não se retira o dever ético-jurídico de prudência. A confiança legítima não pode ser confundida com desatenção. É imperioso desconfiar de comunicações não solicitadas, recusar instalações de programas e preservar a integridade das credenciais bancárias. O empresário, em particular, deve estruturar barreiras de segurança digital compatíveis com o grau de exposição de suas operações.

A verdade que emerge dos novos julgados do STJ é cristalina: a vulnerabilidade do consumidor digital demanda uma proteção jurídica reforçada, sem eximir o indivíduo de sua parcela de cautela. A confiança — pedra angular do sistema financeiro — nasce do equilíbrio entre a responsabilidade institucional do banco e a vigilância consciente do cliente. O direito, ao reconhecer essa dualidade, reafirma sua vocação maior: harmonizar o progresso técnico com a tutela da dignidade humana, impedindo que a inovação se converta em armadilha.

Fonte:

CONJUR - Pedro Luiz Chorro Miler
DIREITO EMPRESARIAL - KRAS BORGES E DUARTE ADVOGADOS - KRAS BORGES & DUARTE ADVOGADOS


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